PUERTO  RICO  
                  03-05-1986 
                    
                  Regressei  a San Juan de Puerto Rico quinze anos depois de minha última visita. 
                    San Juan hoje é um centro turístico americano, com o “american way of life”  tropicalizado ou, em termos talvez pejorativos, uma espécie de Miami insular. (  Por certo Miami latinizou-se depois da Revolução Cubana enquanto Puerto Rico  americanizou-se amplamente). 
                    A San Juan que eu conheci era um tanto mais provinciana e mais  latino-americana.  Cheguei a ela em 1971  para receber as honrarias pelo prêmio máximo de crítica e de público para a  minha peça teatral “Tu País Está Feliz”, na versão venezuelana do grupo  Rajatabla, no 1º. Festival Latino-americano de Teatro de Puerto Rico.  
                    Foi difícil conseguir o visto de entrada naquela época de guerrilhas urbanas  independentistas.  O Consulado americano  de Caracas alegava não poder oferecer vistos em passaportes que não os  venezuelanos embora eu fosse legalmente residente na Venezuela. Amigos  influentes facilitaram os trâmites burocráticos se eu viajei para assistir a  uma das últimas sessões na capital da ilha.   
   
                    O teatro ficava em um bairro residencial nativo, fora do grande circuito  turístico e a organização do festival parecia ter inspirações nacionalistas e  promoção dos vínculos castelhanos do país. Quando eu cheguei a sessão já estava  para terminar e o salão estava literalmente lotado, com gente sentada e até no  chão, apinhada.  
                    O aplauso foi consagrador! 
                    Fui levado para o palco no momento reservado às homenagens ao autor, ao diretor  e aos atores. Fiz, de improviso, um breve discurso de agradecimento e evoquei  as palavras de Bolívar em favor da união latino-americana, à auto-determinação  e independência dos povos. Os aplausos de simpatia se multiplicaram,  confundindo os méritos de nosso trabalho com a identidade ideológica daquele  setor da população, naquele momento de luta por mais autonomia para Puerto  Rico.  
                    A televisão não tomou conhecimento nem os jornais registraram o ato político,  limitando-se a dar a notícia cultural e social.  
   
                    Rajatabla acabou sendo convidada para repetir o espetáculo em outras cidades da  ilha e eu acompanhei a “troupe”. Mas era mesmo na velha San Juan, nos bares e  boates de intelectuais e liberais que o grupo acabava nas noites finais,  gozando da licenciosidade das casas de diversão e alheios todos aos problemas  ideológicos.  
                    Reencontro San Juan mais sofisticada ainda, cheia de edifícios novos, de  grandes hotéis, de condomínios multifamiliares, com uma vida noturna agitada e  as avenidas e novas autopistas apinhadas de carros japoneses, europeus e  norte-americana que a prosperidade do turismo favoreceu a uns tantos  portoriquenhos.  
                    Hospedei-me numa daqueles velhos e luxuosos hotéis da época da 2ª. Guerra: o  San Juan Hotel & Cassino, na península da Isla Verde, à beira-mar, com  grandes salões, bares e lojas, restaurantes em “estilo”, e até concurso de  “miss”.  
   
                    Cinco dias de confinamento no próprio hotel — onde teve lugar a 25º. Congresso  da Sociedade de Bibliotecários que me convidou — e dois rápidos passeios de  carro pela cidade não foram suficientes par ver os progressos materiais, par  ouvir a opinião dos amigos que lá vivem e para extasiar-me com a beleza da  cidade e para viver alguns momentos  da  nostalgia ao rever as velhas fortalezas e as antigas construções urbanas da  época colonial.  
                    E foi grato fazer o percurso de ida com uma longa escala no aeroporto de  Maiquetía, na Venezuela, que me fez relembrar e até reviver simbolicamente a  minha primeira viagem.  
                    E também foi simpático regressar por Miami — hoje tão edificada, com  arranha-céus por toda parte, com espigões imensos no centro da cidade, porque  também havia visitado Miami, meses depois daquela viagem cultural a Puerto  Rico, também partindo de Caracas.  
   
                    Meus horizontes de expandiram consideravelmente naquela época. Apesar do  fantástico sucesso que “Tu país está feliz” na Venezuela, apesar de minha  condição de estrangeiro, eu nunca me sentia um estranho em Caracas.  Afinal, em produzi a obra ali, entre pessoas  amigas, e o sucesso, de certa forma, me parecia doméstico... 
                    A viagem a San Juan, sim, me deu a sensação de um êxito em escala  internacional, apesar da “pequenez” de Porto Rico. 
                    Andei pelos caminhos andados com a sensação de estar vivendo meus próprios  passos, acompanhando meu próprio cenário vivido, em busca de minha memória  perdida.  
                
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